“Meu nome é Flavia, eu tenho 40 anos e estou há 0 dias sem achar que uma desgraça vai acontecer.”
Ontem, li essa frase da Flávia Melissa e fez tanto sentido e pareceu tão óbvio e tão equivocado fazermos isso que até ri. Claro que super me reconheci, esse ano tem sido exatamente assim: “estou há 0 dias sem achar que uma desgraça vai acontecer.” Na verdade tenho vivido uma versão pior, tenho recebido cada dificuldade como uma desgraça. Mas aqui faço minha defesa, embora não seja lá uma grande justificativa, acho que vale um desconto: no começo até foi possível fazer todas aquelas coisas inteligentes e sensatas de receber as situações e achar que era só uma fase, que ia passar, que eu tinha algo para aprender e ia aprender…todas essas coisas. Mas aí, a vida não tem dado uma só trégua e é muito fácil cairmos no vitimismo e ficarmos na janela à espreita da próxima desgraça e qualquer dificuldadezinha já vira um problema gigante e intransponível. Eu sei que é uma fase, mas ô fase difícil e demorada! Eu sei que vai passar, mas não sei quando e isso me enfraquece! Eu sei que tenho algo a aprender, mas tenho me sentido a burra mor por não ter aprendido ainda e fico me cobrando aprender logo seja lá o que for. E aí entra aquela coisa cada vez mais difícil de equacionar: nossa descompensação para que tudo aconteça agora e a arte da espera. Nesse mesmo texto a Flávia pergunta: “Quando foi a última vez em que a sua espera foi doce?” Fiquei envergonhada, porque nem lembro disso. Sei que houve um momento em que me permitir confiar no fluxo da vida, parei de me cobrar tanto, mas parece que faz tanto tempo que nem lembro. Parece também que foi obra do acaso e não fruto de um dedicado compromisso que assumi comigo mesma de nunca mais sofrer tanto. No meio do caos é muito difícil e, contraditoriamente, tão necessário, nos mantermos conectados a essas decisões tomadas em momentos de muita lucidez e amorosidade conosco. E lindamente a Flávia conclui: “A gente faz as coisas tão rápido e com tanta velocidade que se esqueceu da poesia que acontece na espera.” E achei isso tão lindo e tão de verdade. Adoro uma frase da Adélia Prado que diz “há dias em que Deus me rouba a poesia, olho para uma pedra e só vejo pedra mesmo.” Só hoje me dei conta de quanta poesia há nessa frase, assim como na vida, a grande tragédia é que a gente simplesmente se esquece disso. Que a bacanice de hoje venha nos lembrar da poesia que acontece na espera e da graça que há nas desgraças.