.:Bacanices.:

Brincar na rua

Ontem de tarde, quando saí da Ballaio, tinham uns meninos brincando bem no meio da rua. Um estava sentado na calçada e assistia aos outros dois jogando o chinelo um pro outro. Pisei no freio bem antes e fiquei assistindo àquela cena, infelizmente hoje tão rara, e foi impossível não sorrir. Sério que eles estavam jogando chinelo? Achei aquilo tão familiar…e ao mesmo tempo tão distante. Eu brinquei muito na rua e a gente jogava qualquer coisa também, valia tudo pela farra. Acho que brincar com os amigos na rua era a primeira verdadeira experiência de liberdade e de comunhão que nós tínhamos na vida. Pelo o que me lembro, minha turma foi a última a brincar na rua no meu bairro. Já éramos velhos para os padrões de hoje e ainda brincávamos na rua. Final de semana a gente “crescia” rolava uns bailinhos, mas na segunda já era todo mundo moleque de novo.   Lembro de dias e mais dias, noites e mais noites… A gente chegava da escola, comia, fazia dever (Sim! Tínhamos dever de casa e não morremos por isso!) e íamos pra rua. Ninguém combinava nada, existia um combinado eterno no qual a rua era o nosso destino. E ia chegando um, outro e outro … E logo tinha uma turma reunida. Nem sei como escolhíamos, mas o que não faltavam eram opções do que fazer. Até dar a hora de entrarmos.

Na quaresma era a época mais engraçada ainda mais porque o cemitério de Poços é no bairro onde moro. Por 40 dias nossas brincadeiras acabavam mais cedo e ficávamos o tempo todo em estado de alerta com medo de aparecer um fantasma ou um lobisomem… Essas coisas que hoje parecem mentira, mas que estiveram tão presentes na infância de todo mundo que deu a sorte de crescer brincando nas ruas de uma cidade do interior.

Eu sei que a gente vai envelhecendo e vai ficando nostálgico, mas hoje, senti meio que dó da maioria das crianças por nunca terem vivido nada disso. São todos donos de joelhos intactos que nunca foram ralados e nem receberam merthiolate rosa que doía tanto que junto da bronca da mãe por termos caído vinha uma sopradinha pra aliviar a dor do remédio. Muitos jamais vão saber o que é essa liberdade de brincar na rua e nem a responsabilidade de voltar pra casa no horário combinado pra não ter esse direito cassado. Talvez, o maior estrago das últimas gerações tenha sido isso, com essa super proteção, roubaram das crianças o direito de serem crianças. Essa convivência “da rua” merecia até um desses estudos antropológicos porque é a perfeita simulação do que viveremos na vida adulta. É brincando na rua que aprendemos a viver e respeitar as diferenças, a sermos solidários, a trabalharmos em equipe, aprendemos a lidar com os “cafés com leite” das brincadeiras, aprendemos a ser mais fortes, mais safos, mais espertos, mais responsáveis. Aprendemos a ser menos também. Menos mimados, menos dependentes, menos medrosos, menos mimizentos, menos chorões, menos egoístas, menos sozinhos… E nesses mais e menos, formamos muito dos adultos que somos agora. Hoje, agenda de criança é cheia de compromissos, aulas disso e daquilo. Talvez fosse salutar incluírem nessa agenda um tempo para as crianças serem crianças, brincarem na rua. Talvez isso ajude a diminuir tantas síndromes, tantas doenças e tantos remédios que as crianças já são bombardeadas e que quando virarem adultos, oficialmente, porque extra oficialmente já têm uma rotina tão desgastante e sem graça quanto, vão aumentar mais ainda.

Tanta gente procurando cura para tudo e olhando para aquelas crianças só pude pensar no mais óbvio dos remédios: Voltar a brincar na rua! Isso, sem dúvidas, pode salvar a humanidade!

 

 

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