É pinhão, mas é também saudade.

Eu dei muita sorte na vida. Nasci e fui criada numa cidade do interior de Minas com uma família bem mineira, então, as melhores lembranças têm sabor. Desde que minha avó Benedita faleceu, é muito raro sonhar com ela, mas sonhei de sexta pra sábado. As coisas não andam muito felizes por aqui e ando com muita saudade de casa. Ando com vontade comer comida de mãe e o caso é tão grave que fico feliz de chegar na sexta-feira em Poços e comer arroz com feijão que nunca figuraram entre meus prato prediletos. Tenho saudade das comidas da Vó Ana que ela sempre fazia no rumo e quase nunca saía igual. Ando com saudades…

Nesse feriado prolongado fizemos uma das coisas que eu mais gosto: esquentar sol chupando mexerica e isso me lembra tanto a minha vó. Eu passava na janela dela e já dizia: “Bença Vó, vamos esquentar sol”? E logo podia ouvir os passos delas, já meio arrastados, chegando pra me fazer companhia. Fizemos isso milhares de vezes e até quando não tinha sol eu dizia: “Vamos esquentar sombra?”. Ela ria e logo aparecia.

O começo do frio em Poços é cheio de tradições familiares extremamente afetivas. Tem festa de São Benê, tem canjicada e tem pinhão. Minha mãe adora pinhão e a sina dela é não poder comer em paz. A gente senta em volta da mesa, ela pega um pratão e vários pratinhos e vai abrindo e dividindo entre a gente, bem na base do um pra ela e vários pra nós. No final das contas, ela é sempre a que menos come. Se depender que eu descasque um só pinhão pra comer, pode esquecer, não vou comer nunca mais. Por sorte e graça não depende. Pinhão rende sempre muitas histórias e por isso tem esse gosto absurdo de saudade. A Vó Ana vivia fazendo fogão de lenha e a gente colocava pinhão pra assar na chapa. Nada se compara ao gosto do pinhão assado na chapa quente de um fogão de lenha feito pela Vó Ana.

Minha mãe é mais “moderninha” e adepta de uma panela de pressão, comportamento, certamente, desaprovado pela minha Vó que sempre cozinhou as coisas por horas e horas em fogo baixo deixando tudo infinitamente mais gostoso. Batata doce da minha vó? Sem igual! Doce de banana da minha Vó? Sem igual! Carne de porco de panela? Ah! Essa carne é golpe baixo e sinto um milhão de apertos diferentes no peito só de lembrar que nunca mais vou comer nada igual…nunca mais!

Uma das tradições da época era, no domingo, juntar minhas tias e primos pra comer pinhão da Vó. Todo mundo ia comprando pinhão e levando durante a semana e minha Vó colocava no sol todo dia pra “enxugar” e ficar mais saboroso. Acho que uma das últimas vezes em que ela cozinhou pinhão rendeu muita risada. Minha Vó não era do tipo que levantava cedo, até porque adquiriu o hábito de dormir muito tarde, mas muito tarde mesmo. Mas como tinha pinhão pra preparar, no domingo ela levantou cedo, colocou o pinhão pra cozinhar, afinal levava horas pra ficar no ponto, deixou a casa toda fechada e voltou pra cama. Quando minha tia foi levar o café pra ela, a casa estava toda “suada” de pinhão e um caldo cor de pinhão escorria pelas paredes. Hoje é engraçado, mas pensa a trabalheira pra limpar isso e depois pra repintar tudo. Mas o importante mesmo é que, naquela tarde de domingo, estava todo mundo lá comendo o pinhão da Vó, como sempre…e como nunca mais…gosto de saudade!