A minha Vó Ana sempre teve umas coisas muito dela. Uma dessas coisas é uma ligação íntima com a natureza. Sua mão é santa e tudo o que ela planta dá. E seu coração é generoso então, tempos atrás, ela ouvir dizer que os passarinhos, no inverno, comem pimenta pra se aquecerem e lá foi a Vó Ana plantar um monte de pés de pimenta no espaço atrás de casa. Não sei se é verdade mesmo, mas o fato é que atrás de casa sempre tem muitos passarinhos. Como ela acabou criando uma ilha verde, temos muitos passarinhos, borboletas, abelhas e vez ou outra temos visitas inusitadas como lagartos, macacos, corujas com corujinhas e claro, pra pavor da minha mãe, umas cobrinhas…rs. Outra coisa da Vó Ana é que ela sempre me chamou de Lita, até hoje não sei o motivo, mas, lá em casa, sou a Lita da Vó Ana. E tem um passarinho, que não sei qual, que grita, grita e há muitos anos a Vó Ana disse que ele gritava: “Lita, Lita, Lita.” E não é que grita Lita mesmo? Ontem saindo da Ballaio, fechei a porta, comecei a descer a escada e escuto: “Lita, Lita, Lita.” Impossível não sorrir e não pensar na Vó Ana e nas marcas que o afeto deixam. Ela vai ser sempre ninho, não importando o que aconteça. Hoje, infelizmente, ela, e todos nós, sofre com os esquecimentos típicos do Alzheimer, mas eu sempre comento que ela jamais esquece sua missão nessa vida, assumida voluntariamente e por puro amor mesmo, que é cuidar de nós. Quando vou pra Poços, no final de semana, chego e já vou mostrar pra ela que eu cheguei e passamos muito tempo juntas. Ela conta umas histórias meio doidas, nós cantamos uma música que enloquece e diverte a gente de tanto que ela canta e agora todo mundo canta…rs, ela me chama pra ir dar uma volta na linha (que ela adora, mas não pode mais ir sozinha) e, mesmo às vezes a contra gosto, eu sempre vou, levo besteira pra ela comer, dou uns fumos se ela não se comportou bem durante minha ausência, fico brava pra ela comer direito, ela diz que vai vir embora pra Guaxupé comigo e como ela sabe que anda esquecida, já combinou com minha mãe pra toda vez lembrar que ela gosta de me dar um dinheiro pra ajudar na gasolina pra eu não ficar tempo demais em Guaxupé. Hoje, tenho a oportunidade de ser um pouco ninho pra ela também. E acho que o sentido da vida é mesmo esse: sermos e termos ninho. Pois somos “passarinhos, soltos a voar dispostos, a achar um ninho, nem que seja no peito um do outro.”
OBS: Há dois anos recebi essa música linda do Emicida, no meu aniversário e ontem, lembrando essa história toda da Vó Ana, achei que ela era a trilha ideal pra encerrar a bacanice de hoje e quem tiver a oportunidade de ouvir, faça!