A nossa vida é feita de muitas dúvidas e poucas certezas, mas pra mim, uma certeza absoluta é que, não importava nada, a Vó Ana estaria lá, pronta pra socorrer, amparar, apoiar e ser o que sempre foi: uma fortaleza! Mas infelizmente, essa certeza não é mais tão certa e não está sendo fácil lidar com isso, talvez seja a coisa mais difícil até aqui: ver nossas fortalezas enfraquecendo. Quem acompanha o bacanices já me viu escrever sobre a Vó Ana algumas vezes. Ela é irmã da minha mãe, nossa tia, mas a chamamos de Vó e só isso já diz muita coisa. Ela sempre foi meio doida e algumas das nossas melhores e algumas (pra não dizer todas) das nossas histórias mais traumáticas foram sempre protagonizadas por ela. A Vó Ana sempre teve uma alma libertária e nunca aceitou amarras, acho que por isso não quis se casar, as únicas “amarras” que ela escolheu e re escolheu repetidas vezes fomos nós, seus netos. Ela é um tipo de mulher que não se faz mais. Ela jamais foi “mulherzinha”, sempre foi mulherona, traço muito marcante de todas as mulheres da família, não à toa, todas chamadas Maria. Ela também sempre foi diferente e ousada e as histórias dela dariam um bom livro que pareceria de ficção, mas seria uma biografia muito maluca. Ela subia em cima da casa, carregava o peso que fosse preciso, resolvia os problemas não importando o tamanho deles, virava o mundo se preciso fosse e ainda sobrava tempo e habilidade pra costurar, fazer tricô, crochê e pintar e bordar (literalmente e metaforicamente). Nunca teve tempo ruim pra ela e eu nunca a vi se deixar vencer pelas dificuldades da vida. Se aparecia um problema, ela dava um jeito de resolver, com muita fé, perseverança e sem reclamar. Ah! Estava me esquecendo que além de tudo que já citei, ela ainda cozinha, muito e bem e fazia muitas doideiras. Quando eu era pequena o almoço de domingo sempre esteve sob sua responsabilidade e uma das coisas que rende muitas risadas hoje é que ela sempre madrugou então, acordávamos no domingo cedo e o almoço já estava lá pronto, 8 horas da manhã e ao invés do cheiro do café, tinha cheiro de comida. Pois bem, uma das coisas que mais me lembro é que sempre andei com ela, e sempre andei pendurada no braço dela. Pois lá um dia, ela passou a se pendurar em mim. Não sei precisar esse momento, mas sei que pareceu natural, mas também muito estranho. De lá pra cá, muitas coisas mudaram e nos últimos tempos temos passado maus bocados. A saúde dela agravou muito e já quase a perdemos algumas vezes, mas fortaleza que é fortaleza não deixa os seus na mão. Ela sabe, de alguma forma ela sabe, que pra nós, ainda não é possível compreender um mundo sem a Vó Ana e, generosamente, mais uma vez, nos escolheu, em detrimento inclusive de seu próprio sofrimento que não está pouco. Eu tenho vivido uma situação muito difícil de acompanhar tudo de longe. Além de não poder ajudar ainda devo atrapalhar ligando inúmeras vezes ao longo do dia pra minha mãe pra saber como estão as coisas. Desde a semana passada o quadro se agravou de novo e um dia liguei e minha mãe disse: “Nossa, a Ana passou muito mal e a Carolzinha correu pra ajudar, ficou lado a lado com a Silvia, depois deitou ela no colo até ela acalmar…” A Carol é minha afilhada, filha da minha prima Dani que, como eu, cresceu muito próxima da Vó Ana. Ouvia a voz da minha mãe meio distante e eu já muito emocionada pela atitude da Carol e por toda a situação. Desde então só consigo me lembrar de quando a Vó Ana operou do coração. A Carol era um pingo de gente, não tinha nem 1 aninho ainda. Quando a Vó Ana chegou de São Paulo, tudo o que a Carolzica mais queria era que a Vó Ana a pegasse no colo, o que era terminantemente proibido. A gente tentava explicar, e do colo de quem ela estivesse ela se inclinava em direção à Vó Ana e encostava a cabecinha no ombro ou no rosto da Vó Ana e ali ficava, no colo que era possível ter no momento. E pensei no ciclo da vida que por vezes é cruel e por vezes é tão generoso e nos proporciona a chance de sermos fortalezas, braços e colos pra quem sempre foi pra gente fortaleza, braço e colo. Talvez a Carol não faça ideia do presente que a vida lhe deu e talvez ela só vá compreender muito tempo depois, mas sei que, assim como está em mim, estará nela a memória dessa oportunidade de retribuir o amor que nos foi dado sem jamais esperar nada em troca. E o ciclo da vida se cumpre e segue, sem fim… “É o ciclo sem fim que nos guiará/À dor e emoção, pela fé e o amor/Até encontrar o nosso caminho/Neste ciclo, neste ciclo sem fim…”
O ciclo da vida – Rei Leão.
Desde o dia em que ao mundo chegamos
Caminhamos ao rumo do Sol
Há mais coisas pra ver
Mais que a imaginação
Muito mais pro tempo permitir
E são tantos caminhos pra se seguir
E lugares pra se descobrir
E o Sol à girar sob o azul deste céu
Nos mantém neste rio à fluir
É o ciclo sem fim que nos guiará
À dor e emoção, pela fé e o amor
Até encontrar o nosso caminho
Neste ciclo, neste ciclo sem fim
É o ciclo sem fim que nos guiará
À dor e emoção, pela fé e o amor
Até encontrar o nosso caminho
Neste ciclo, neste ciclo sem fim