Adoro uma frase que diz algo mais ou menos assim: “Amigo é aquele que sabe tudo a seu respeito e, mesmo assim, ainda gosta de você.”
Saber tudo a respeito de uma pessoa (ou quase tudo) demanda tempo, convivência, intimidade e uma ligação rara.
Dia desses li uma postagem que descrevia lindamente o lado A de uma pessoa que eu conheço bem. Achei graça, porque aquela pessoa descrita, estava longe de ser a pessoa de verdade. Igual quando a pessoa morre, vira santo! Não, não somos santos e isso é bom.
Ser de verdade não é tarefa fácil e permitir que conheçam nosso lado B é tarefa ainda mais difícil. É muito mais cômodo convivermos com pessoas que só conhecem nosso lado mais bacana, mais afável, mais gentil, mais correto, mais um monte de adjetivos e menos o principal, o de verdade…quem somos de fato que obviamente inclui nossas sombras.
Todos temos nosso lado A e nosso lado B. Mas é um desafio de imensa valentia se deixar conhecer no que temos de menos bonito. Em uma fase bem horrorosa da minha vida, em algum lugar de mim eu sentia vergonha de quem eu tinha me tornado e o reflexo disso foi que me afastei das pessoas que mais me conheciam. Por exemplo, nunca podia comparecer aos nossos tradicionais encontros nos quais falamos de absolutamente tudo, do papo mais cabeça ao mais sem pé e nem cabeça, e que temos como tradição sempre fechar os lugares que vamos de tanto assunto que temos juntas.
Comecei a fazer terapia e lá um dia recebi um “dever de casa”: ligar pra essas duas amigas que me conheciam tão bem e me encontrar com elas e dizer inclusive o motivo de eu estar envergonhada de encontrá-las. Dizer que estava envergonhada delas, me conhecendo tão bem, me olharem e me verem tão devastada, tão fragilizada e tão distante da amiga forte e durona que conheciam. Vulnerável como nunca antes e também humana como nunca antes. O que posso dizer é que foi um dos melhores encontros da vida, com elas, mas especialmente comigo.
Lendo aquela postagem eu me lembrei dessa sensação de vergonha e compreendi que é muito mais fácil ter ao nosso lado pessoas que passam longe do nosso lado B. Que não imaginam do que somos capazes, do quão egoístas podemos ser, de quanta dor podemos provocar, de como podemos fazer escolhas equivocadas e do quão humano isso tudo é. Pode ser mais fácil, mas também é tão menos verdadeiro.
Abrir meus porões naquele dia foi uma das coisas mais difíceis que já fiz, mas ter quem escolhesse continuar sentado do meu lado nesse porão, quem escolhesse me fazer companhia nesse momento de vergonha foi a melhor sensação da vida. E foram essas pessoas que fizeram questão de então me lembrar do meu lado A que eu até havia esquecido que existia.
No final das contas, ninguém consegue ser de verdade sendo só lado A ou só lado B. Somos essa confusão de luz e sombra e mais cedo ou mais tarde isso vai ficar claro e pobre de quem só conseguiu ver e conhecer a ilusão do lado A.
E finalizo com uma outra frase que adoro e que vez ou outra revisito quando me perco de mim no caminho: “O melhor espelho é um velho amigo!”. Que tenhamos aqueles espelhos capazes de refletirem nosso lado A, mas que conhecem bem o nosso lado B também e ainda assim seguem gostando de nós.
Obs: Só hoje quando fui buscar a imagem pra essa bacanice que me dei conta de que muita gente não faz ideia dessa coisa do lado B. Para quem não teve o prazer de ouvir suas músicas prediletas nos discos vinis, o lado A sempre trazia a versão mais comercial, as músicas feitas para serem hits, tocarem nas rádios e todo mundo cantar junto. O lado B escondia algumas preciosidades que não tinham esse apelo comercial, mas conquistavam os fãs de verdade do artista ou banda. Exatamente como acontece com o nosso lado B. De verdade!