.:Bacanices.:

Precisa-se de sapateiros.

Hoje, separei alguns sapatos para jogar fora. Um descascadinho aqui, uma sola soltando ali…e logo me veio um aperto no coração. Não sou apegada a sapatos (sou apegada a tênis), mas me pareceu uma loucura descartar um sapato por tão pouco. Imediatamente me lembrei dos vários e vários pares de sapatos que presenciei indo e voltando  dos sapateiros. Meia solas eram trocadas ad aeternum e os sapatos duravam por toda uma vida. Quando começavam a ficar judiados, ninguém nem pensava em jogar fora, todo mundo lembrava do sapateiro de confiança da família. Sim, existiam sapateiros de confiança da família, artistas na arte de devolver vida ao que parecia acabado. Vó Ana atravessava a cidade atrás dos melhores sapateiros. Tinha o da Cascatinha, o do ponto do ônibus, aquele da Marechal…cada um tinha uma especialidade: sapato masculino, sapato feminino, sandálias e bolsas…Ah! Tinha também os mestres em salvar guarda-chuva e sombrinhas. Jogar fora? Nem pensar! Era só trocar a barbatana, consertar o negócio que mantinha a sombrinha aberta e voilà: novo de novo!

Em tempos em que tudo é descartável, fiquei pensando em como esses hábitos simples influenciavam, ou refletiam o valor das coisas. Nada era dispensável, descartável…tudo era fruto de muito trabalho, de muito empenho e recebia a consideração que mereciam. Talvez o que precisamos hoje seja de sapateiros e desse zelo pelas coisas. Reaprender que vale a pena cuidar do que já temos ao invés de ficar de olho no próximo. Reaprender que vale se dedicar a consertar o que estragou, o que descascou um pouquinho por uma falta de cuidado besta, o que perdeu o brilho pelo descuido, o que gastou com o tempo, mas que com um cadinho de cuidado fica novo em folha. Precisamos, urgentemente, reaprender a dar valor às coisas.  Não! Pessoas não são descartáveis! Não! Amores não são rotativos, instantâneas e descartáveis! Não! A vida não pode se resumir a jogar fora o que não me serve mais por puro capricho, por falta de interesse em investir naquilo! Percebem? Não sei quando viramos essa gente que não pensa duas vezes antes de jogar tudo fora. ABSOLUTAMENTE tudo fora! Dia desses vi uma matéria que o Rio Tietê, em Salto, havia transbordado e o que se via não era água, mas uma manta de garrafas, isopor e todo tipo de lixo. E sabe o mais triste? Se olharmos para as nossas vidas, veremos uma manta de amigos, familiares, companheiros de trabalho, amores…todos jogados fora sem cerimônia. Não estou dizendo que devemos manter relações que não fazem mais sentido, mas não devemos e nem podemos viver nessa superficialidade de sentimentos e ligações. Quantos pais abandonados pelos filhos nos asilos? Quanta gente jogamos fora porque não nos servem mais? Isso não pode estar certo e talvez esse vazio que habita em nós seja isso, excesso de coisas (e pessoas) jogadas fora. Deixo aqui minha reverência aos sapateiros de outrora e torço para que uma onda retrô resgate esses profissionais símbolos de um tempo do cuidar e torço também para que uma onda de amor resgate em nós o sentido do “de por toda uma vida” e que suplante em larga escala, a efemeridade das relações que se não dão certo a gente joga fora, sem nem pestanejar!

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